sexta-feira, 28 de março de 2014

Carreira X Família ~ Que decisão tomar?

A paulistana Luciana Zerwes Tremblay, de 34 anos, trabalhava das 9 horas às 18 horas na empresa de distribuição de medicamentos da qual é sócia. Há nove meses, ela abandonou o escritório. Faltavam cerca de 30 dias para o nascimento de Brian, seu terceiro filho. Luciana pretendia voltar à ativa depois de cumprir a licença-maternidade. Aos poucos, mudou de idéia. “Deixar o trabalho foi uma decisão difícil. Passei meses pensando nisso até perceber que, com três filhos pequenos, ficaria complicado conciliar carreira e maternidade”, afirma. Além de Brian, Luciana tem os gêmeos Kevin e Clara, hoje com 2 anos e 3 meses. “Quando eles nasceram, tentei me dividir, ficando na empresa meio período. Mas vi que assim não cuidava deles nem trabalhava direito.” A escolha de Luciana está longe de ser uma exceção. Mais de metade das brasileiras que têm filhos e trabalham fora gostaria de largar o emprego e passar todo o tempo com as crianças, segundo a pesquisa Mães Contemporâneas/2006, do Ibope. Nos Estados Unidos, a nação onde as batalhas feministas mais influenciaram as relações de trabalho no mundo, a taxa de mães com emprego sofreu uma reversão. Durante 22 anos, o número de mães que trabalham fora cresceu. A partir de 1998, passou a cair. Em 2005, 5,6 milhões de mães americanas deixaram o emprego para cuidar dos filhos – 1,2 milhão a mais que dez anos antes.

O que está mudando? Há apenas duas décadas, no Brasil, a entrada maciça de mulheres no mundo do trabalho transformou radicalmente a economia. O principal motivo foi a necessidade: a crise econômica da década de 80 empurrou as mulheres para o trabalho. Mas a cultura já havia sofrido uma revolução. Elas passaram a encarar a realização profissional como um direito. E a família tinha de ser repensada. O que parece estar ocorrendo agora é uma nova reviravolta na escala de valores da sociedade.

“Ficar em casa cuidando das crianças virou um novo símbolo de status”, afirmam Kellyanne Conway e Celinda Lake no livro What Women Really Want (O Que as Mulheres Realmente Querem), ainda sem tradução no Brasil. Nos anos 80 e 90, caracterizados pelo individualismo e pela competição profissional acirrada, era normal sacrificar a vida pessoal em prol do sucesso – ou aquilo que se considerava sucesso. Nesse modelo competitivo, a busca por resultados tem elevado a carga de trabalho nas empresas e, conseqüentemente, o estresse. Daí começou a ganhar força o discurso oposto, que mistura ecologia, espiritualismo e bem-estar. As mulheres, ainda a meio caminho da plena conquista da igualdade, começaram a se perguntar se ela vale a pena.

‘‘Eu chegava em casa depois das 11 da noite. Meu filho estava dormindo havia horas. Eu morria de culpa’’ MÁRCIA ALVES, 36, contadora
O outro lado da equação entre maternidade e vida profissional são os filhos. Até há pouco, falava-se no “tempo qualitativo” que as mães passavam com eles. Esse conceito vem sendo destroçado. “Isso era uma desculpa. Não existe qualidade sem um mínimo de quantidade de tempo, de conexão, de acompanhamento da rotina”, diz a terapeuta de família Daniela da Rocha Peres, de São Paulo. “Vejo no meu consultório muitas mães executivas que abrem mão de todo s o tempo com os filhos e depois não sabem por que eles estão com problemas. É muito cruel ver mães que nunca levam ou buscam seus filhos na escola, que não conhecem seus amiguinhos, suas questões do dia-a-dia.” Hoje há um consenso entre os psicólogos: a presença da mãe na vida dos filhos é imprescindível. “Estamos num momento de transição dos modelos de mãe – e também de pai”, diz Daniela. “Toda a família se desestrutura quando cada um está no seu trabalho e as crianças estão totalmente terceirizadas. E não podemos ser moralistas e jogar tudo isso no colo das mães só porque historicamente é assim que vem sendo feito. Os pais também precisam participar dessa rotina.”


VOLTA DIFÍCIL
Para cuidar de Maurício, de 11 anos, e Mariana, de 7, Márcia saiu do emprego. Quando tentou voltar ao mercado, estava defasada
O sentimento de perda no âmbito familiar já está produzindo efeitos no mundo do trabalho. “Há mais gente hoje falando sobre uma maior dedicação à maternidade”, diz a consultora de carreira paulista Vicky Bloch. “Muitas mulheres jovens planejam ficar um pouco mais em casa quando os filhos nascerem, para só depois retomar a carreira.” Até há bem pouco tempo, a decisão de trocar a carreira pela dedicação exclusiva à família era percebida como sinal de derrota ou como atestado de despreparo profissional. O que se esperava das mulheres é que fossem bem-sucedidas na carreira e conseguissem, ainda, administrar com perfeição o lar e o tempo com as crianças. A mãe que em nome dos filhos desistisse do trabalho passava por desocupada. A carioca Cátia Moraes sentiu isso na pele. Em 2001, ela escreveu Absolvendo a Cinderela (Editora Mauad). O livro mostra como viviam as mulheres que optavam por ser donas de casa e o preconceito que elas enfrentavam. “Fui muito criticada em chats, recebi dezenas de e-mails me condenando, mas sempre deixei claro: o que eu defendo é a liberdade de opção”, diz Cátia. “Descobri que eu me realizava muito na função de mãe, de acompanhar a vida da minha filha. E garanto que existe, sim, vida inteligente em mães de porta de escola.”

Apenas seis anos depois de Cátia, a administradora de empresas Luciana Zerwes Tremblay fez a mesma escolha. A reação das amigas foi completamente diferente. Nenhuma seguiu o exemplo, mas todas a apoiaram. E sua mãe passou a lhe dar uma mesada. “Estou feliz porque a infância dos meus filhos jamais voltará. Daqui a alguns anos posso voltar a trabalhar, e fazer isso pelo resto da minha vida”, diz Luciana.

Se a complexidade do mundo moderno cria estresse, por outro lado ela também abre oportunidades. Hoje, as carreiras são mais diversas e fragmentadas. A norma é mudar de empresa a cada cinco ou seis anos, e de função a cada três, segundo estudos de consultorias de recursos humanos. Por isso, a interrupção da carreira – mesmo para quem nunca teve filhos – é um fato normal no mundo do trabalho. E isso faz com que a opção de parar por uma causa nobre (cuidar dos pimpolhos) soe menos estranha às mulheres. Em 2002, depois de uma carreira de 15 anos no mercado de design de Belo Horizonte, a mineira Laura Guimarães, de 37, decidiu largar a carteira assinada para ficar em casa com as crianças. A opção obrigou a família a se adaptar a um padrão de vida mais baixo. Mesmo assim, ela diz que não se arrepende. Ter mais tempo livre permitiu a Laura não só cuidar de perto das filhas Nina, de 11 anos, e Gabriela, de 8, como ampliou suas perspectivas profissionais. Laura criou, junto com a amiga Juliana Sampaio, um blog dedicado às mães modernas, o Motherns. Depois da boa repercussão no mundo virtual, as duas tornaram-se consultoras do programa de TV Mothern, já na segunda temporada. Por não ser um emprego tradicional, com horários rígidos, a nova atividade permitiu a Laura conciliar a carreira e os filhos.

Nem sempre essas escolhas dão tão certo. Muitas vezes, o que começa como uma opção temporária – cuidar dos filhos enquanto eles são pequenos – afeta todo o futuro profissional. A carioca Márcia Alves, de 36 anos, é um exemplo.  Formada em Contabilidade e com um emprego que durava dez anos, ela permaneceu em casa as 16 semanas regulamentares da licença-maternidade. Quando retornou à rotina intensa do trabalho, às vezes era obrigada a cumprir jornadas superiores a 12 horas por dia. “Eu chegava em casa depois das 11 horas da noite. Meu filho já estava dormindo havia muito tempo. Morria de culpa.” Ela também fazia plantões nos fins de semana e, devido a uma expansão da empresa, teria de viajar constantemente para São Paulo, ficando mais tempo longe dos filhos. “Quando eu estava no emprego, imaginava como seria bom ter tempo para mim. Hoje, em casa, fico pensando aonde teria chegado se continuasse trabalhando. Não digo que jamais voltarei. A questão é que, quanto maior o tempo afastada, piores as condições.” Ao procurar emprego, Márcia percebeu que teria mais despesas do que seria capaz de suportar com os salários que eram oferecidos. “Eu precisaria de mais uma empregada e gastaria com transporte para as crianças. Nunca valia a pena.”

O que a contadora enfrentou costuma ser a norma. “Empregadores realmente não querem contratar mulheres que ficaram um tempo paradas”, diz Leslie Bennetts, autora do livro The Feminine Mistake (O Erro Feminino) e editora da revista Vanity Fair. “O mercado entende que as pessoas que interrompem a carreira não são habilitadas e estão desatualizadas. Chefes querem atrair quem tenha um currículo consistente. Muitas mulheres sofrem com a dificuldade de se recolocar no mercado.” Em alguns casos, recomeçar a partir de um patamar mais baixo pode ser vantajoso no longo prazo, sobretudo no caso de profissionais capacitadas, que podem recuperar o tempo perdido e voltar a ascender na carreira. Mas nem sempre é assim. As mulheres que retrocedem no campo profissional podem se sentir isoladas, entediadas e cair em depressão.

Para complicar ainda mais a escolha, a corrente de defensores do trabalho feminino, nos Estados Unidos, passou a usar um novo argumento. Não se trata, segundo ela, de uma opção entre carreira e família. A própria segurança familiar é que estaria em jogo quando a mulher desiste de sua profissão. “É um erro a mulher abandonar sua carreira”, diz Leslie Bennetts, autora de Feminine Mistake. “Quando ela perde a independência financeira, fica mais vulnerável a muitos riscos.” Não se trata apenas do divórcio, que faz o padrão de vida das crianças cair. O marido pode morrer. Ou ser demitido. “É crucial a mulher se manter auto-suficiente economicamente”, diz Leslie. “Assim pode garantir a qualidade de vida dela própria e dos filhos.”

“Há muitos elementos que compõem o preço da maternidade”, diz Ann Crittenden, autora dos livros If You’ve Raised Kids, You Can Manage Anything (Se Você Criou Filhos, Pode Gerenciar Qualquer Coisa) e The Price of Motherhood (O Preço da Maternidade). Segundo ela, a dificuldade de deixar o trabalho e retornar mais tarde poderia ser contornada caso o mercado fosse mais flexível. “Empregadores simplesmente não querem contratar mulheres com filhos pequenos. Isso deveria ser contra a lei”, afirma. Para ela, conciliar carreira e maternidade é mais difícil para mulheres que não ocupam altas posições, que não têm poder de barganha e por isso podem ser demitidas sem grandes transtornos para a empresa. “Os empregadores deveriam encarar a maternidade como algo natural. E enxergar que as mulheres querem ter uma vida profissional, não apenas a familiar”, diz Ann Crittenden.

Segundo um levantamento do site americano Salary.com, caso fosse remunerada por todas as horas que trabalha, uma dona de casa nos Estados Unidos deveria receber anualmente US$ 134 mil, algo como R$ 22 mil por mês. O cálculo leva em conta o número de horas dedicado a tarefas como arrumar a casa, cozinhar,  cuidar dos filhos e gerenciar a economia doméstica. Na conta desse salário, foi atribuído um valor para a função de executiva do lar. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, nos países que calculam o serviço das donas de casa como parte da produção de riquezas, ele corresponde a espantosos 60% do PIB. Isso explica, em parte, por que o número de mulheres que trabalham fora vem caindo nos EUA.

Dados do IBGE mostram que a remuneração feminina é 30% inferior à dos homens que ocupam cargos equivalentes. Além disso, a informalidade é maior entre as mulheres. Isso significa que elas não contam sequer com benefícios como a licença-maternidade. A depreciação do trabalho feminino é atribuída a um conjunto de fatores. Embora não admitam abertamente, muitas empresas pagam menos às mulheres pressupondo que elas terão menor comprometimento com o trabalho quando surgirem demandas familiares. Em muitos casos, mães nem são contratadas. Atualmente, uma mulher americana de 30 anos sem filhos ganha o equivalente a 90% do salário de um homem. As que são mães ganham apenas 70%, mesmo com idade e formação equivalentes. Uma explicação para a diferença salarial poderia ser que as mães de família se concentram menos no trabalho e, portanto, produzem menos. Mas isso é falso. Vários estudos concluíram que as mulheres são mais produtivas que os homens.


Como agir quando alguém mostrar preconceito em relação a sua decisão de voltar para casa?
Muitas pessoas – as próprias mulheres, principalmente – se surpreendem negativamente ao saber que uma mulher deixou o trabalho para se dedicar à casa e à família. O ideal é não responder. Fingir que não ouviu ou não entendeu muitas vezes dribla situações estressantes. Se responder alguma coisa for inevitável, pode-se manter o foco na máxima segundo a qual todos têm liberdade para decidir seus rumos. Se foi derrubado um dia o preconceito contra as primeiras mulheres que foram à luta nas ruas, que se derrube também agora o preconceito contra as que optam pela casa.

Estar de volta ao mundo doméstico significa ter de arcar com todas as tarefas do lar?
De modo algum. A idéia de dividir tarefas e responsabilidades (práticas e de decisão) com o marido continua. Claro que, se ele trabalha e a mulher não, ela cuidará de mais coisas. Mas uma casa não é um hotel. O homem deve fazer parte – e as crianças também – de uma divisão justa dessas tarefas.

Você passou muito tempo fora e perdeu o controle de sua casa. O que fazer?
Um grupo inteiro terá de se adaptar à nova rotina. Isso inclui mulher, marido, filhos, empregados domésticos e até mãe e sogra, caso elas tenham sido a tábua de salvação por bastante tempo. A palavra de ordem é: a dona da casa está de volta. Não importa se algo era feito de forma X quando a mulher não estava. Agora ela está em casa e tem o direito de que as coisas sejam feitas a sua maneira. Tudo com o máximo de jeito, é claro. O importante é não ser visita na própria casa.

Qual o risco de interromper a carreira por dois ou três anos?
É possível retomá-la no mesmo patamar, com uma remuneração equivalente? Depende da idade, da área profissional, do nível de formação e da experiência anterior. Mas a resposta é: não será fácil. Ficar longe dois ou três anos, na maioria dos casos, é afastar-se da prática profissional e dos avanços tecnológicos. Se surgir uma oportunidade, provavelmente a remuneração não será equivalente ao momento em que a mulher parou. Uma dica: quem quer mesmo voltar deve aceitar recomeçar por um pouco menos. Qualquer porta de entrada pode ser importante.

Quando os filhos crescerem, a mãe corre o risco de sentir-se inútil em casa?

Se as crianças foram o único foco real por anos, é natural que haja um vazio depois que elas crescerem e se tornarem mais independentes. Não se devem jogar essas frustrações em cima delas, tentando manter a interferência em suas vidas. Quando a mãe manteve atividades e interesses ao longo desse tempo, será mais fácil intensificá-los para compensar a “perda” dos filhos. Mesmo que não tenha mantido outros interesses, nunca é tarde para buscar algo que lhe dê prazer.

Fonte: Época

meu primeiro dia de trabalho após a licença maternidade de Clara

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que você achou desse post? Deixe seu comentário ;-)