“A cama é um móvel metafísico, em que se cumprem os mistérios do nascimento e da morte; um caixão, onde nos regeneramos, de noite, misteriosamente, inconscientes e de joelhos encolhidos, como outrora no escuro do ventre materno, presos ao cordão umbilical da Natureza; a cama é um barco mágico, de dia modestamente coberto, mas em que, de noite, balouçamos para o mar do inconsciente e dos sonhos.”
(Thomas Mann, “Ensaios”)
Senti uma cutucada de leve no braço, às 4 e pouca da manhã,
com uma vozinha baixa: “mamãe, a parede do lado da minha cama tá muito fria”.
Sem mais palavras ou correções, puxei o menino pro nosso meio que logo
adormeceu.
Há lugar mais quentinho que a cama dos pais? Fiquei pensando
nessa questão desde que despertei e me levantei.
A cama do casal é o altar da família. Lugar de respeito e
acolhida.É nela que os esposos se entregam no mais profundo ato de amor e se
tornam íntimos em corpo e alma. Onde se tornam um só! Lugar sagrado do ato
conjugal.
É nela que reclinamos a cabeça e fazemos nosso exame de
consciência, choramos as lágrimas de um dia cansativo ou de uma imensa saudade,
pensamos e sonhamos com os mais ‘absurdos’ projetos.
É também nela que os filhos vêm se aquecer, se aninhar,
buscar carinho e aconchego. É o lugar seguro. Já foi dito inúmeras vezes que dá
mais segurança o fato de saber que os pais se amam do que as manifestações
exageradas (mimos) de carinho aos próprios filhos. Por isso a cama, o lugar onde os pais mais se
amam, é o lugar que mais lhes dá segurança. Filhos com febre, medo, dor
encontram alívio ali. Num certo sentido, ali a criança está voltando ao lugar
onde foi concebida. A cama é o centro da casa, porque é o lugar da vida. Daí a
importância de se estar sempre aberto a vida. Como poderia a cama ser um
“centro irradiador de vida” se as relações sexuais forem sempre fechadas à
vida. Se há sempre uma ‘pedra’ – uma pílula, uma camisinha, um diu – no meio do
caminho que impede a vida de se irradiar?
Grande parte dos pediatras, pedagogos, psicólogos querem
manter as crianças longe da cama dos pais. Precisamos quebrar esses tabus e
permitir nossos filhos retornarem ao ninho em que foram concebidos para que se
sintam seguros, protegidos. Mais, precisamos fazer como nossos filhos: voltar
para a cama. Voltar a fazer da cama a fonte de toda a vida. Voltar para a cama
é como um retorno ao Éden. É voltar para o lugar onde Deus insuflou o sopro da
vida nas narinas do homem. Voltar para o lugar onde o homem e a mulher se unem
da maneira mais íntima, e onde Deus cria uma nova alma humana para viver
eternamente. Por isso a cama é um móvel não só metafísico, mas sagrado. É onde
Deus cria uma nova alma. É um altar, onde se consuma e realiza o sacramento do
matrimônio, onde vidas são geradas e acolhidas.