domingo, 24 de julho de 2016

"Deus deu, Deus tirou. Bendito seja o nome do Senhor"

Era 30 de junho, o dia estava lindo, uma quinta-feira de muito trabalho. Dia comum, mas especial porque, enfim, consegui guardar segredo de toda a família a respeito da ultrassonografia que faria neste dia para descobrir o sexo do bebê que esperava há 4 meses - nas "contas de gestante", 17 semanas.

Saí correndo pela rua, já atrasada para o exame, morrendo de medo de encontrar o marido no caminho e ter que inventar uma história qualquer para continuar meu plano. Na bolsa, dois cartões escritos: cada um escrito com os nomes que havíamos escolhido para cada sexo; na cabeça, planos para sair da clínica e passar na loja de roupas de bebê para, enfim, poder comprar um presentinho, já que não havia comprado nada ainda; no coração, uma enorme expectativa de chegar em casa e entregar a Sérgio e as crianças o presente, o cartão e o dvd gravado na consulta que revelara o sexo do nosso terceiro filho.

Apesar do meu pequeno atraso, precisei esperar um pouco mais na recepção, o que é super útil quando se quer colocar a leitura em dia. No início de 2014 ganhamos um livro maravilhoso de um amigo nosso: "O Amor que dá vida", de Kimberly Hahn. Eu simplesmente o engoli! É um livro encantador, de fácil leitura, com testemunhos lindos e arrebatadores. Passado um tempo, percebi que precisava degustá-lo com mais calma. Realmente, ao ler com menos pressa acabei percebendo que deixei passar muita coisa e redescobri sua leitura e me encantei ainda mais.

Nesse dia em especial, consegui ler umas 50 páginas, dentre elas a parte V - A perda da vida: abortos, crianças que nascem mortas, infertilidade e esterilização. As palavras iam entrando na minha cabeça, caminhavam para o meu coração, precisei segurar algumas lágrimas ao imaginar tamanha dor de que passa por situação assim. Gostaria de transcrever alguns trechos que me marcaram:
"A perda de um filho é uma experiência dolorosa. Apesar de serem tantas as famílias que sofreram ao menos um aborto, a tal ponto que se pode dizer que é uma experiência comum, trata-se de uma experiência extremamente pessoal: ' [...] Não há um certificado de óbito, nem consta em nenhum cartório que um filho vosso, alguma vez existiu'."
"Se o objetivo dos pais cristãos é que os filhos vão para o céu, então conseguiram-no com esse filho não nascido"
"Kari, a minha irmã, cita São Mateus 6, 19-21: 'Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração.' E Kari conclui: 'Os filhos são o único tesouro que podemos ter no céu'."
Assim que o capítulo acabou, fui chamada para o exame. Entrei e já no primeiro instante não reconheci o filho que havia visto na última ultrassonografia. Mais alguns segundos e ouvi o médico dizendo: "Não tenho boas notícias". Um buraco se abriu em meu peito e as lágrimas de compaixão que segurei na sala de espera, se transformaram em lágrimas de solidão, uma solidão imensa por saber que não estaria mais acompanhada (como uma amiga gostava de me repetir), uma solidão por não conseguir ver Deus nesta hora. A secretária do médico segurou minhas mãos e me consolou, ele foi muito gentil ao me dar a notícia e se preocupou em ligar no mesmo momento ao meu GO, explicando o que ocorrera: meu bebê morreu por volta da 15ª semana (pela medida do fêmur), apesar de eu já estar de 17 semanas.

Saí da sala de exames e me levaram para um outro consultório para que eu me recuperasse da notícia. Ali liguei para meu marido que, sem entender o que eu tentava falar ao celular, foi correndo me encontrar. Choramos, nos abraçamos, silenciamos... porque nenhuma pergunta teria uma resposta confortadora naquele momento.

Fomos caminhando para o consultório do médico. No meu coração, eu sentia como se fosse uma procissão onde eu carregava ainda em meu ventre meu filho tão amado que agora estava morto. Saímos pela rua, mãos dadas, cabeça baixa, coração doído.

Depois da conversa com o médico para sabermos o que seria feito a partir dali, fomos direto ao hospital. Meu marido me ofereceu chamar um taxi, mas preferi que fôssemos caminhando. Eu precisava desse momento a sós com ele. Assim fomos, andando, limpando as lágrimas, com pouca conversa, com muito amor. E só uma frase pulsava dentro de mim: "Deus deu, Deus tirou. Bendito seja o nome do Senhor" (Jó 1,21)

 Naquele mesmo capítulo do livro que citei há um lindo poema de Karen Edmisten (que pode ser lido em seu original aqui) que exprime um pouco do que senti naquele dia:

Disseste que nós teríamos um filho.
E eu, com amor, recebi uma nova vida
e sorri
com cada onda e maré das vertigens matutinas.
Envolvi-me nesse milagre por vir.
"Por Ti, Senhor, disse,
e ofereci cada pequeno incômodo
como um presente para Ti,
sem comparação com o presente da vida
que Tu me davas.
E depois cambaleei,
inconsciente e tremendo
ante a morte do meu bebê.
Estava abandonada.
Nasceu a ira em mim e construí um arrazoado
contra os sinais mal interpretados da Graça.

Estava tão enganada!
"Aqui há um filho", disseste,
e assim o pensei.
Mas os meus braços estão vazios, desesperançados.
Não resta nada da minha confiança
quando escuto a Tua Voz.
Como posso confiar quando estava tão enganada?
Como serei forte de novo?
Paro e volto-me para Ti,
ó antiga Beleza sempre nova...
Peço-te, meu mais confiado e querido Amor,
uma resposta, algum alívio,
um sinal do alto.
Há um silêncio,
e as minhas lágrimas...
Lágrimas do amor dorido de uma mãe.

Então, na tua generosidade,
no teu Amor envolvente,
abraças-me e falas.
As palavras do alto
fluem através do vaso terrenal.
Um homem de Deus
escuta-me
e diz-me que posso - que devo -
atrever-me a confiar, porque
tudo é como deve ser.
Este mistério que é meu filho
está nas tuas mãos,
no teu Sagrado Coração.
O papel que eu desempenho
é o de ceder e ser livre.

Quando torno a parar
para rezar,
"Basta-te a minha graça", dizes,
"porque o meu poder 
se faz perfeito na fraqueza".
Ouço as palavras uma vez e outra
na minha mente,
como um disco que esquecemos de tirar...
Penetram
no coração da minha dor
e não me deixa outra saída
senão ajoelhar-me
e oferecer-Te o meu filho.

Ó Senhor, cura o meu coração
dorido e gasto,
aperfeiçoa-me na minha fraqueza,
é a minha Pérola de grande valor.
Ainda que Ta ofereça, Senhor,
imperfeita e pobre,
a minha vida é tua.
Que a tua graça me baste."

Chegamos ao hospital e fomos cercados de carinho da família, dos amigos, da equipe que cuidou de mim: enfermeira, técnica de enfermagem e médico. Cuidaram de nós, nos trataram com zelo, não somente com respeito, mas com amor.

Foram tantas mensagens de apoio, de carinho, de compaixão, vindas por todos os lados. Sentimos o quanto somos abençoados e o quanto nosso pequeno José já era tão amado, não só por nós.

Que o Senhor retribua cada oração que fizeram por nossa família.

Nosso José com 12 semanas de vida.