sábado, 20 de dezembro de 2014

Quando nasce um bebê



Dizem: quando nasce um bebê, nasce uma mãe também. E um polvo. Um restaurante delivery. Uma máquina de chocolate prontinho. Uma mecânica de carrinhos de controle remoto. Uma médica de bonecas. Uma professora-terapeuta-cozinheira de carreira medíocre. Nasce uma fábrica de cafuné, um chafariz de soro fisiológico, um robô que desperta ao som de choro. E principalmente: nasce a fada do beijo.
Quando nasce um bebê, nasce também o medo da morte - mães não se conformam em deixar o mundo sem encaminhar devidamente um filho.
Não pense você que ao se tornar mãe uma mulher abandona todas as mulheres que já foi um dia. Bobagem. Ganha mais mulheres em si mesma. Com seus desejos aumentam sua audácia, sua garra, seus poderes. Se já era impossível, cuidado: ela vira muitas. Também não me venha imaginar mães como seres delicados e frágeis. Mães são fogo, ninguém segura. Se antes eram incapazes de matar um mosquito, adquirem uma fúria inédita. Montam guarda ao lado de suas crias, capazes de matar tudo o que zumbir perto delas: pernilongos, lagartas, leões, gente.
Mães não têm tempo para o ensaio: estreiam a peça no susto. Aprendem a pilotar o avião em pleno voo. E dão o exemplo, mesmo que nunca tenham sido exemplo. Cobrem seus filhos com o cobertor que lhes falta. E, não raro, depois de fazerem o impossível, acreditam que poderiam ter feito melhor. Nunca estarão prontas para a tarefa gigantesca que é criar um filho - alguém está?
Mente quem diz que mãe sente menos dor - pelo contrário! Ela apenas aprende a deixar sua dor para outra hora. Atira o seu choro no chão para ir acalentar o do filho. Nas horas vagas, dorme. Abastece a casa. Trabalha. Encontra os amigos. Lê - ou adormece com um livro no rosto. E, quando tem tempo pra chorar - cadê? -, passou. A mãe então aproveita que a casa está calma e vai recolher os brinquedos da sala. Como esse menino cresceu, ela pensa, a caminho do quarto do filho. Termina o dia exausta, sentada no chão da sala, acompanhada de um sorriso besta. Já os filhos, ah Filhos fazem a mãe voltar os olhos para coisas que não importavam antes. O índice de umidade do ar. Os ingredientes do suco de caixinha. O nível de sódio do macarrão sem glúten. Onde fica a Guiné-Bissau. Os rumos da agricultura orgânica. As alternativas contra o aquecimento global. Política. E até sua própria saúde. Mães são mulheres ressuscitadas. Filhos as rejuvenescem, tornando a vida delas mais perigosa - e mais urgente.
Quando nasce um bebê, nasce uma empreiteira. Capaz de cavar a estrada quando não há caminho, só para poder indicar: É por ali, filho, naquela direção.

Cris Guerra

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A Mãe Humana no Abraço Eterno de Deus

Como vocês podem perceber, há mais de seis meses não publico uma só letra no blog.
Nesse tempo muita coisa aconteceu, mas o que me levou realmente a perder as palavras foi a perda da minha mãe.
Mamãe se foi no dia 29 de maio deste ano, de uma maneira muito rápida (apesar dos longos anos de limitação por conta da DPOC). Não esperávamos! Fomos pegos de surpresa! Passei a noite no hospital com ela e cheguei a ter a ilusão de que logo voltaria pra casa. Em pouco mais de 30 horas a contar da sua internação ela foi se 'apagando' até que o cansaço acumulado de tanto tempo de luta a venceu.
Nunca senti uma dor assim! Perdi o chão, perdi o ar, perdi Deus de vista... Senti verdadeiramente o "abraço esmagante" de Deus, Sua "ausência torturante", uma "dor incomparável, consolo inestimável"... E, por um instante, cheguei a pensar a não voltar a abrir os olhos. Nesse dia completavam-se 11 meses que a vovó tinha falecido (você pode ler sobre esse dia aqui) e uma ferida ainda maior se abriu no meu peito.
Mamãe foi enterrada no dia em que ela e papai completariam 33 anos de casamento e, no dia seguinte, 31 de maio, eu completei 32 anos de vida.
Não conhecemos os planos de Deus, mas alguns meses antes de mamãe falecer, consegui fechar a compra da casa que minha avó morou durante muitos e muitos anos, desde a infância da minha mãe e dos meus tios. Essa casa fica a poucos metros da casa da mamãe. Enfim eu poderia fazer-lhe companhia, estar mais presente, deixar as crianças curtirem mais a vovó. E marcamos a mudança justamente para o dia 31 de maio; seria o meu presente de aniversário.
Quando recebi a notícia de sua morte, no hospital, eu só conseguia pensar: "Agora não! Agora eu vou cuidar mais dela! Logo agora que consegui vir pra mais perto?! Por que??? Por que???" E, mesmo com o coração em frangalhos, mesmo sem esperança, mesmo com toda dor - que chegava a ser física - fizemos a mudança.
O tempo foi passando... O Senhor foi me consolando através do amor do meu pai, do meu irmão, do meu marido, dos meus filhos, da minha família, dos meus amigos...
Pude viver, mais intensamente esse consolo de Deus no último fim de semana em um retiro espiritual. Deixei casa, marido e filhos pra trás por três dias e fui para o Congresso das Novas Comunidades da minha Diocese. Justamente nesse fim de semana em que mamãe estava completando 6 meses em que foi ao encontro do Pai.
A mamãe já não podia frequentar a Santa Missa há algum tempo por conta do transtorno em carregar cilindros de oxigênio que nem sempre duravam a Celebração inteira, mas recebia semanalmente a Eucaristia em casa. Engraçado como que, mesmo assim, sempre é na Celebração Eucarística que mais sinto falta da sua presença; penso que essa seja a Comunhão dos Santos. Pois bem, durante a minha ação de graças, na missa de abertura, enquanto sentia sua falta e a saudade invadia meu coração, pude ouvir claramente o Senhor me dizer: "Alegra-te, ela está comigo!" O meu coração se acalmou e os meus olhos não conseguiam segurar tantas lágrimas. O purgatório passou. Quem sou eu pra conhecer os mistérios de Deus? Mas, naquele instante, eu tive a certeza de que ela estava lá, à minha espera e, enquanto esse dia não chega, continua intercedendo e zelando por mim, sua filha, e por nossa família.

Creio no Espírito Santo,

na Santa Igreja Católica,

na comunhão dos Santos,

na remissão dos pecados,

na ressurreição da carne,

na vida eterna.

Amém.

Missa de abertura do IV CDNC